sábado, 27 de dezembro de 2008

Procura-se namorada RPGista



As pessoas se reúnem em volta da mesa. A nova jogadora irá participar da terceira sessão com este grupo, e já correm boatos de que o mestre está interessado nela. Todos comentam como seria bom poder unir o útil ao agradável e ter uma namorada que compreendesse o que é o jogo, que não colocasse barreiras nem ficasse com ciúmes. Falam das vantagens de poder dividir as suas experiências de jogo com ela, e de compartilhar suas tardes de jogo com ela. Mas aparentemente, a nova jogadora não está interessada no mestre. Ele sente dificuldades em se aproximar, tem medo que os outros jogadores achem que ele a está protegendo. Não sabe como agir.


Em um outro ponto da cidade, em outra mesa de jogo, o grupo se confronta com uma situação completamente diferente. A personagem dela não para de provocar em on, e muitas vezes ela parece levar as provocações para fora do jogo. Ela interrompe a mesa freqüentemente para fazer comentários gratuitos, ela desconcentra os jogadores, faz isso de propósito para chamar a atenção. Mas todos os garotos tem namoradas ou quase, e temem que esse comportamento da jogadora atrapalhe seus relacionamentos.


Enquanto isso numa terceira mesa de jogo, a garota sente-se constrangida. Ela já mudou as roupas que usa, passando a usar camisetas escuras e largas, já deixou de usar maquiagem, mas eles ainda olham para ela como se ela fosse capa de uma revista masculina. Eles tecem comentários constrangedores, param o jogo para conversar com ela sobre coisas que não têm nada a ver com a sessão de jogo, apenas para fazê-la olhar para eles. Ela começa a pensar em parar de jogar.


Todas essas situações hipotéticas são muito comuns nos grupos mistos. O RPG é uma atividade social, e como tal, está tão susceptível ao aparecimento de sentimentos quanto qualquer outra. Talvez esteja até mesmo mais aberto a tais acontecimentos, uma vez que no faz-de-conta de interpretar personagens, muitas vezes nós nos dedicamos a fazer coisas que não teríamos coragem na “vida real”, e em volta da mesa de jogo, existe um limite muito tênue entre realidade e fantasia. Será que a aproximação dos personagens durante o jogo não reflete, em alguns casos, o interesse e os desejos das pessoas que interpretam esses personagens? Jogadores e jogadoras sadios e bem centrados estão acostumados a não misturar sentimentos, sejam eles positivos ou negativos, mas algumas vezes um relacionamento iniciado entre personagens ou a paquera em volta da mesa de jogo, poderão evoluir para um namoro bem sucedido. Em seu íntimo, todos buscam pessoas com as quais tem muito a compartilhar, e para um jogador ou jogadora de RPG, namorar alguém que também aprecie o jogo é uma experiência gratificante. Entretanto, os casos em que o interesse é unilateral costumam ser altamente prejudiciais para o jogo e para o grupo de amigos.


O assédio que uma jogadora recebe dos jogadores é um dos maiores motivos de evasão das garotas das mesas de jogo. Muitas vezes eles não percebem, mas ficam olhando para a região dos seios dela, ou tecendo comentários constrangedores entre as cenas. Às vezes os comentários são tecidos em on, e o garoto usa a desculpa de que é o seu personagem que age assim, mas na verdade é o jogador que gostaria de chamar a jogadora de “gostosa” ou coisa pior, e isso fica subentendido na forma como ele olha para ela, nos momentos entre as cenas. Quando a situação chega a um patamar insustentável, só resta às jogadoras procurarem outro grupo ou então desistirem de jogar.


Às vezes o grupo de jogo possui um clima muito agradável, até que chega um novo jogador com comportamentos nada sutis. Ele joga bem, é amigo de todo mundo, mas começa a deixar as garotas do grupo constrangidas. O comportamento de assédio pode ser incentivado pelos demais, e neste caso as garotas acabarão invariavelmente desistindo do jogo. Muitas garotas já tiveram de colocar um freio no comportamento dos jogadores, mas será que é necessário deixar que o clima de jogo chegue a esse ponto? A quem cabe a responsabilidade de monitorar o clima em volta da mesa de jogo?


Mais do que um árbitro das regras e um criador do cenário, o mestre de jogo é também o responsável pelo bem estar dos seus jogadores durante a sessão. Quando o grupo não consegue resolver os problemas por si mesmo, cabe ao mestre a função de arbitrar também problemas de ordem pessoal que acontecem fora do jogo, desde que estes problemas estejam interferindo no jogo. Se um jogador – ou jogadora – está prejudicando a qualidade da sessão por causa de comportamentos inadequados, cabe ao mestre a responsabilidade de tentar resolver a situação, de uma maneira que seja boa para todos. Na maioria dos casos o comportamento é inconsciente, e apenas uma conversa será suficiente para contornar a situação. Em outros casos, será necessário adotar certas normas de conduta, delimitando comportamentos aceitáveis durante a sessão de jogo. Pode ser necessário pedir para que um casal apaixonado diminua a intensidade de carícias, ou que preste atenção ao jogo. Pode ser necessário chamar de volta a atenção de alguém para o jogo, mas uma vez que não haja limites, uma vez que determinado jogador, ou jogadora, ou jogadores, estiverem atrapalhando o andamento do jogo com freqüência, o mestre deverá adotar posturas mais rígidas. Normalmente, seguir com o jogo e punir em on a falta de atenção de um jogador, por exemplo fazendo ele se ferir porque não respondeu a uma emboscada no tempo determinado pelo mestre, já que não estava prestando atenção ao jogo, pode ser suficiente para que ele cesse com o comportamento inadequado. Mas uma vez que a freqüência desses comportamentos for constante, a ponto de atrapalhar o ritmo do jogo, e que ele não responda aos pedidos para mudar, o mestre deve simplesmente se livrar dos jogadores problemáticos, não os convidando para a próxima sessão. E se questionado sobre o motivo da exclusão, deve ser sincero, deixando claro para o excluído que os comportamentos dele têm prejudicado a diversão de todos, e que ele, como mestre, deve cuidar para que isso não aconteça. Entretanto, é necessária cautela e moderação. O mestre só deve interferir no relacionamento de seus jogadores caso os comportamentos estejam sendo ofensivos e constrangedores para outros jogadores, e aparentemente o problema não irá se solucionar. Não se trata de impedir o casal de demonstrar seus sentimentos, ou o flerte quando é correspondido. Afinal, se o objetivo maior do jogo de RPG é a diversão de todos, e a interação social em volta da mesa faz parte dessa diversão, proibir qualquer manifestação de sentimentos priva o encontro para jogar RPG de uma parte importante do que o faz ser prazeroso: a possibilidade de se comunicar com o outro e de se expressar.


Um outro problema enfrentado pelos grupos mistos é o risco de protecionismo. Às vezes nem há interesse, mas o mestre acaba protegendo o personagem da única garota da mesa sem perceber, por considerar que este personagem seria mais frágil, ou que a garota estaria mais susceptível a falhas. É necessário tomar um cuidado ainda maior caso a garota seja a namorada do mestre, ou a namorada de um outro jogador. O protecionismo é constrangedor para todos, desde a garota que foi protegida até os demais jogadores que se sentem preteridos, deixados em segundo plano pelo mestre.


Existem dois tipos de protecionismos que poderão acontecer durante a sessão de jogo: a proteção à personagem e a proteção à jogadora. A proteção à personagem costuma ser apenas uma conseqüência das ações do jogo. Pode acontecer por vários motivos, desde personagens machistas até o fato da personagem dela gostar de ser protegida ou buscar a proteção dos personagens masculinos. Proteger a personagem da jogadora, como uma conseqüência natural da aventura, não representa problema algum, e apenas enriquece o jogo com interações sociais interessantes e toda uma temática psicológica que de outra forma poderia não ser abordada em jogo. Entretanto, no outro extremo, proteger a jogadora e conseqüentemente beneficiar sua personagem é uma das piores coisas que podem acontecer a um grupo misto. Os mestres devem evitar dar mais dicas a elas do que dão aos demais jogadores. Também deve impedir que um determinado jogador comece a ajudá-las em off, dando sugestões sobre o que elas deveriam fazer. Da mesma forma, se os jogadores não tem o direito de rolar novamente testes desastrosos, voltar ações mal sucedidas, ou ver seu personagem sobreviver milagrosamente a uma situação letal, as jogadoras também não devem usufruir desses privilégios.


Os relacionamentos entre integrantes de um grupo de RPG são mutáveis, e da mesma forma que começou, um namoro pode acabar. Como conseqüência, ele ou ela podem querer deixar o grupo, por não se sentir mais confortável ao lado do seu “ex”. Quando o namoro acaba, é necessário refletir se vale a pena ou não continuar jogando com aquele grupo. A separação foi amistosa? Nesse caso nem há o que pensar: continue jogando. Em caso negativo, você ainda irá se divertir com aquelas pessoas, mesmo contando com a presença dele ou dela? Essa é uma decisão pessoal a ser tomada. Quando a separação acontece com integrantes da mesa, e não com você, como agir? Na maioria das vezes a melhor coisa a se fazer é deixar que eles se resolvam, sem se envolver, mas o apoio dos amigos ajuda bastante. Mais uma vez, o mestre tem um papel importante, ao dizer a eles que para o jogo, nada mudou. Caso os personagens tenham alguma ligação em on, pode ser que um deles ou ambos desejem fazer outro personagem e continuar jogando. O mestre pode sugerir isso, ou dar liberdade a eles para a criação de um novo personagem, caso eles dêem essa sugestão.


A sessão de jogo não se resume à aventura. As pessoas e a forma como elas interagem são tão importantes quanto aquilo que acontece em on. Pelo menos, é assim que as mulheres costumam encarar o jogo.






15 comentários:

  1. Belo artigo. Que bom que vc voltou a escrever.

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  2. Pô, ótimo artigo. Gostaria de postá-lo no blog e na comunidade de RPG da minha cidade, se me permitir.

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  3. Tenho um problema parecido. Uma das jogadoras é o tipo "certinha" e muitas vezes a gente sente vergonha de estravazar palavrões como nossos personagens fariam.

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  4. valberto, estamos aí...

    pessoal que gostou do artigo, obrigada ^^

    frankjaeger, pode postar sim. Só peço para que coloque junto meu nick (Gracilariopsis) como autoria, e um link para esse multiply, assim os créditos ficam dados.

    melekashiro, tudo fica mais fácil se vocês começarem a conversar com ela sobre separar atitudes de personagem de atitudes de jogador, numa boa. Afinal, se o personagem falaria palavrão, ele deve falar, né? Tenho certeza que ela vai entender essa distinção, e não vai se ofender.

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  5. Desculpe o comment fora de lugar. Eu vi seu blog na lista de blogs de RPG que alguem deixou na RPGWiki http://www.rpgwiki.com.br e estou pedindo para cada blogueiro citado ali para colocar algumas informaçoes sobre seu blog lá, para não ficar apenas uma "lista de blogs de RPG" mas sim algo que diga o pq voce escreve seu blog, desde quando, sobre que assuntos, etc.
    E tambem se for possivel, ajuda na divulgação do Projeto.

    abraçao

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  6. De fato muito bom...já vi todas essas situações ocorrem só que não muito explícitas. Anda bem q não tievmso muitos problemas.

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  7. Bom artigo! Há uns 6 anos atrás a minha namorada (na época) jogava comigo (eu narrava) e no início eu peguei um pouco pesado com a personagem dela, acredito que pra mostrar pros outros que não protegia ela. Mas depois tudo se normalizou. Ela ainda joga com a gente hj. Como ela conhece a galera há um tempão o pessoal faz, propositalmente, umas piadinhas machistas com ela, as vezes, mas ela leva isso na esportiva.

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  8. Tudo depende muito da amizade mesmo, e das pessoas. Tem gente que não gosta de certos tipos de liberdade, e pelo bom andamento da mesa, todo mundo tem de respeitar os limites um do outro, independente de ser homem ou mulher

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  9. Gostei do texto ^^ Mas tinha q mencionar a outra mesa em q nada disso acontece e o povo simplesmente joga o.o Isso eh possivel tb :P

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  10. Claro que é possível... acho que meu texto não exclui essa possibilidade... mas sobre essas mesas não é necessário falar nada, né, já que tudo corre bem.

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  11. Sou irmão de três garotas e minha esposa eu conheci graças ao RPG, mas nesses anos de jogos (já que sempre vivi cercado de meninas e fui criado por tias casadas), nunca me deparei com problemas com mulher na mesa, mas concordo que o assédio existe e que o melhor seriam mais de uma garota jogando. Hoje já com 37 anos na cara, me reúno com amigos e em média temos duas ou três amigas jogando, mas aqui impera um clima de respeito e amizade. Pena saber que existem mesas assim, imagino que de molecada mais nova, menos experiente e com testosterona a mil! Obs.: Mas lembre-se como citado no 2° exemplo que essa é uma via de mão dupla. Abs, ótimo post!

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