sábado, 3 de março de 2007

Política e intriga: Ferramentas para o Horror Pessoal em Vampiro A Máscara?


Muitos dos críticos da Edição Revisada de Vampiro: A Máscara dizem que essa edição foi marcada pelo fim do Horror Pessoal. Eles alegam que aprofundar o jogo na política das seitas e suas intrigas reduziu o clima original do jogo a nada, e que com isso a maior qualidade de Vampiro como jogo original foi abandonada.

Pessoalmente, eu sempre discordei disso. Sempre encarei essa crítica como um preconceito dos fãs da segunda edição, ou uma impressão de limitação que a leitura superficial do módulo básico, do Guia da Camarilla e do Guia do Sabá nos trazem. A política e a intriga são, na terceira edição, grandes ferramentas para a ampliação do tema principal do jogo: o horror pessoal visto com novas e poderosas lentes. Infelizmente, os livros que tratam desse assunto não foram traduzidos para o português, o que limitou muito o acesso dos leitores nacionais a esses materiais, especialmente aqueles destinados aos narradores.

Por que, então, política e intriga têm um papel tão grande nos livros? A terceira edição é marcada por um aprofundamento no cenário. Dessa forma, houve todo um cuidado para apresentar as seitas em detalhes, bem como a interação social entre vampiros, dando a falsa impressão de que o jogo se reduzia a isso. Mas se analisarmos bem, essa mecânica é baseada em sistemas biológicos de interação entre predador e presa. É nesse sentido que a BESTA permeia toda a política e sociedade em Vampiro: A Máscara, e muitas vezes passa despecebida pelos jogadores enquanto eles interpretam a sua besta aflorando em busca de poder e imposição social. O "deixar de ser humano" quando gradualmente o neófito se vê preso nas redes de intrigas e deixa de lado o que era, seus sentimentos, suas emoções, que são gradativamente suprimidos dando lugar à COBIÇA, a mesma fonte da maldição cainita, quando Caim invejou seu irmão e quis ser mais querido do que ele. No fundo, a necessidade de ascensão dentro das seitas nada mais é do que um aspecto da maldição vampírica se impondo.

Na terceira edição, o horror pessoal tornou-se mais sutil. Tão sutil que a maioria dos jogadores e grande parte dos narradores nem percebeu como isso pode ser explorado profunda e psicologicamente. Dentro de um jogo de Vampiro, intriga e política não devem ser separados do horror pessoal. Esses aspectos são facetas do horror, uma vez que a ascensão dentro das seitas é limitada tanto pelas suas limitações como Vampiro, quanto por suas fraquezas e insignificância diante dos mais poderosos. Além disso, a besta, os defeitos de clã, os aspectos da maldição cainita estão sempre lá para atrapalhar os seus planos.

E fora das seitas, o que existe? Será que a Camarilla e o Sabá não são na verdade os grandes inimigos dos Vampiros? A estrutura escravizante, massificante, que inibe a liberdade, que obriga o vampiro a mudar de prioridades. O bom narrador de Vampiro sabe lidar com esses temas, seja em um jogo de neófitos, onde a perda da esperança e dos laços humanos é o tema recorrente, ou mesmo num jogo de anciões, onde a besta fortalecida pede mais e mais, e o medo e paranóia permeiam a existência dos Vampiros. No fundo, todo Vampiro é escravo de suas bestas.

8 comentários:

  1. Eu ainda insisto na minha opinião inicial..... a maioria de problemas existentes em cronicas é a ausência de personagens bem construídos com traumas e problemas que pessoas TEM.... Vampiro não busca criar super-heróis e sim explorar as transformações de pessoas que se transformam em monstros e ate que ponto elas se rendem as tentações do poder e da liderança e ate que ponto elas se tornam temerosas na quebra de valores que elas construíram por toda uma vida anterior... e nesse ponto não posso deixar de tirar o chapéu para a Graci....

    Pessoas tem medo das possibilidades, do desconhecido, de ser demitido, de levar um fora, de morrer.... Não de lutar contra algo que elas sabem que vão ganhar se não a cronica acaba..... mais do que ler livros de forma concisa pessoas precisam aprender a fazer auto-leituras!

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  2. Concordo plenamente com o final "No fundo, todo Vampiro é escravo de suas bestas." (não significa que eu discorde do resto do artigo). Mas já na segunda edição tínhamos algo que anulava todo o efeito que a besta tinha na narrativa e nas histórias, e me refiro às trilhas da sabedoria. tá certo que muitas eram bem-feitas e embasadas, mas 99,9% dos jogadores pegava para poder sair matando que nem D&D, sem precisar fazer teste de degeneração. Que horror pessoal tínhamos com isso? Sem falar que acabávamos vendo jogadores com aquela idéia errônea de que TODO vampiro que seguia a humanidade era bonzinho. A menos que o jogador seja esquizofrênico ou louco de pedra para conseguir ter uma linha de raciocínio idêntica a qualquer uma das trilhas, é impossível haver horror pessoal com elas. ainda pode ser horror, mas esqueçam o "pessoal", por favor!

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  3. Disso eu discordo... é bem complicado trabalhar com o horror pessoal quando o personagem segue trilha. É necessário usar uma linha de raciocínio completamente diferente da que seguimos para a humanidade. É preciso saber como a trilha funciona, e a partir daí lidar com as tentações em seguir caminhos que fariam com que a trilha diminuisse. O resultado é bem intenso, uma vez que os jogadores são humanos, e é muito difícil seguir éticas inumanas. Há uma tendência natural nossa a agir de forma humana quando confrontados com situações que um seguidor de trilha tiraria de letra, mas para a nossa ética, agir daquela forma é errado.

    Nesses casos, é necessário estudar a trilha de sabedoria e introduzir no plot situações que possam causar queda de trilha. Colocar o personagem para pensar, para refletir sobre os deslizes. Algumas trilhas por exemplo, proibem o assassinato por prazer. Será que a pilha de corpos deixada para trás era uma necessidade, ou você está perdendo o controle para a sua besta?

    É um jogo em "nível avançado", apenas para jogadores maduros e narradores preparados, mas existe sim o horror pessoal. É necessário apenas introduzir os elementos para a queda de trilha dentro do jogo, da mesma forma que num jogo com humanidade.

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  4. As trilhas para mim são a única saida do maniqueismo da obra. Se existe uma razão maior para eu não ter jogado tanto Vampiro, essa é a questão da BESTA X HUMANIDADE - como se o humano não fosse uma besta per se ¬¬.

    Não que isso seja ruim, para mim é plenamente alinhado com os romances vampíricos por ai, a jaula judaico-cristã é até uma moral necessária, para que exista a emoção da quebra do tabu: eis a sedução psicologica de Vampiro.

    Mas não é a único, ao menos para mim a obra não se resume a isso.

    O lance é que EU não gosto de maniqueismo, seja ele qual for. As trilhas, especialmente a Trilha do Paradoxo do Idade das Trevas me são bem interessantes. Acho muita ignorância dos críticos da terceira edição, na sua grande maioria, justificar essa hipótética ausência do horror pessoal pela existência de suplementos antropológicos, políticos e sociais. Ridículo, modismo pseudo-cult - ainda mais em um jogo que depende de clichês para existir... contradição AD NAUSEUM.

    A falta de horror pessoal, reside tanto na preguiça e falta de experiência de muitos iniciantes de fazerem humanos, almas a serem abraçadas e não super heróis que acham bonito estar morto, quanto no Ego elevado dos experiêntes, que não admitem a existência de qualquer personagem feita com menos feeling - da perspectiva do conceito DELE de feeling - do que a persona dele... É meio como se nada que ELES não tenham feito tenha algum feeling e pior ainda: como se ELES fossem determinantes da existência ou não de capacidade de identificação emocional com uma obra qualquer.

    Quando se faz um personagem de Vampiro banalizado, fica como aquele episódio do Bob Esponja, que meu filho amava: Lula Molusco conta a história, aonde o elemento cerne de terror, era a personagem ter um de seus braços amputados. Ele começa narrando as silhueta, as sombras, elas vão tomando forma, então ele diz "E ele não tinha um braço!", ai o Bob Esponja arranca um de seus braços, regenerando o outro instantâneamente e diz "Assim?" então o Lula Molusco faz aquela cara "¬¬" e tenta continuar. Bob repete "Assim? Assim?" arrancando trocentos braços até que o Lula Molusco lentamente diz: "Mas ele não era uma esponja!" Ai o Bob entra em pânico uhauhuhauhauahahua

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  5. Me parece que temos a idéia de que trilhas são apenas preceitos morais - o que seria facilmente representado por uma humanidade baixa e a qualidade (ou defeito?) código de honra. trilhas são formas de pensar inumanas, portanto, em tese, seriam impossíveis (ou artificiais demais durante o roleplay) para um ser humano - e o que nós, jogadores, somos?

    Além do mais, por que personagens mortais, nos jogos, não seguiam trilhas? porque concordo com o Kaichkull quando ele diz: "como se o humano não fosse uma besta per se". Vemos aí que humanidade é mais do que "nível de bondade", tem muito mais coisa nessa característica da ficha, que teimamos em ignorar. (felizmente Promethean nos dá uma olhar totalmente novo sobre ela: ao invés de ser perdida e lamentada, ela pode ser descoberta e incorporada. Ela - a Humanidade - não se trata apenas de ajudar a velhinha a atravessar a rua, mas também entender porquê aquele cara não tira os olhos dos seios daquela menina).

    Nada contra reservar as trilhas para npcs misteriosos, mas o ideal do vampire "By becoming a monster, one learns what it is to be human" é impossível quando estamos jogando com trilhas. (inclusive aqui fica um elogio à edição revisada, já que tinhamos uma base racional para cada limiar das trilhas - mas, por um lado, ao mostrar isso condicionava-se as trilhas a uma mentalidade humana, ou seja, à humanidade. acabava não sendo uma mentalidade, e sim o que poderia ser facilmente representado pelo que eu tinha falado: humanidade baixa, e a qualidade já citada).

    Enfim, é apenas uma opinião minha :) as respostas de vocês mostram outras formas de ver, acho importante observar isso. Abraços.

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  6. Mentes humanas não são estagnadas per se, mentes vampíricas são. À essas cabem mais dogmas morais - e uma energia maior em sua quebra - do que a nossa. Uma filosofia moral diferente da judaico-cristã é quesito bastante óbvio, para uma criatura atemporal como o vampiro. Se vivendo nessa época, descobre-se a liberdade de pensar por si, imagine vivendo séculos.

    Desesperador é não ver o sol, mas pior é não poder admitir que o ama - como ama e odeia o fim do seu martírio.

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  7. As trilhas da sabedoria são códigos artificiais que pretendem "domar a Besta" de diferente formas. A Besta é a única presença realmente imutável e onipresente dentro do jogo, e independente do que o Vampiro faça, ela vai contrariá-lo. Assim, um seguidor de Trilha como forma de controlar a Besta se vê numa situação em que ela fará tudo para que o avanço dele seja boicotado. Da mesma forma que ela ataca a humanidade, irá atacar a trilha de sabedoria.

    É extremamente difícil lidar com isso, é necessária muita maturidade de ambas as partes, e bastante conhecimento do que são as trilhas também... mais difícil ainda porque se trata de algo inumano, de condutas e éticas que não adotamos diariamente. Mas é gratificante quando dá certo ^^.

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