Não faz nem um mês e meio que eu escrevi aqui no Tralhas um artigo intitulado "Cenários Preconceituosos x a dificuldade em se viver a fantasia", que abordava a pressão que autores e criadores de conteúdo de RPG sofrem e o medo de serem taxados de preconceituosos. Nesse novo artigo, eu vou falar de um tipo de pressão mais pessoal: aquela que mestres/narradores e jogadores sofrem quanto a tocar ou não sobre determinados assuntos "delicados" em suas mesas.
A frase que está na moda e pipoca nas discussões sobre RPG é: "Isso não é legal".
De repente "não é legal" interpretar personagens ou inserir temáticas relacionadas a minorias em mesa se você não fizer parte dessa minoria.
De repente "não é legal" criar uma personagem mulher que sofreu algum tipo de violência ou abuso no passado porque supostamente estaríamos incentivando ou banalizando esse tipo de coisa.
De repente "não é legal" fazer uma personagem frágil porque pareceria que toda mulher é emocionalmente frágil
De repente "não é legal" tratar de violência ou temas pesados para não criar ideias violentas ou abusivas nos seus jogadores
De repente "não é legal" fazer personagens sexualizados porque parece algum tipo de generalização ou apologia ao estupro
De repente "não é legal"... (insira qualquer "você não pode fazer isso porque você não é/sabe..." que já te falaram aqui)
E de repente, com todas essas restrições, parece que não é mais legal jogar RPG.
Eu não nego o valor que o RPG tem como ferramenta pedagógica, como forma de socializar, de combater estereótipos, de romper barreiras. Mas a isso damos o nome de RPG educativo, né? É o jogo com um objetivo maior de educar, criado com toda a responsabilidade e cuidado. É para esse tipo de jogo que as pessoas tem de saber exatamente o que estão fazendo. Mas parece que de repente o jogo nosso de cada dia tem de ser historicamente acurado, politicamente correto, parece que todo mundo tem de ser especialista em questões sociológicas, e só tem o direito de interpretar um papel quem já faz parte desse papel no dia a dia.
Gente, o que é isso? RPG é primariamente uma ocasião social privada, onde você e um grupo de amigos se reúne para se divertir em um ambiente seguro. Onde você tem a oportunidade única de interpretar um papel diferente, de fugir da realidade, de experimentar ser o que não é.
Não está escrito no manual único de regras do RPG (que nem existe, graças às entidades superiores) que ele é a representação fiel de nossa realidade. Pelo contrário, RPG é fantasia. Interpretar a Graci todo dia já é chato o suficiente. Se eu for obrigada a ser eu mesma nos finais de semana eu morro!
Inserir qualquer assunto transversal dentro do jogo leva os jogadores a reflexões, mas isso não precisa ser acurado e pesado, e não deve ser o tema principal de um jogo visando apenas se divertir. A coisa pode ser tênue, leve... a coisa pode sim ser superficial, com pouco embasamento, desde que seja respeitosa.
Afinal, não estou falando aqui para todo mundo chutar o balde e começar a criar personagens ao estilo do zorra total. Mas se eu não puder criar uma personagem sem antes fazer um Doutorado sobre o assunto, a diversão se perde.
Então, quando for narrar com finalidade educativa, preocupe-se com o que tiver de se preocupar. Quando for narrar ou jogar com seus amigos, preocupe-se primeiro com a diversão. Você só precisa pensar se o seu personagem ou o assunto abordado serão ou não ofensivos para os integrantes da mesa. E não é porque "isso não é legal", e sim porque a diversão de todos vem em primeiro lugar.
Para jogar RPG é necessário menos stress e mais tolerância! É necessário ter a mente aberta, senão é impossível se divertir.