Olá, pessoas
Uma vez eu criei um
tópico em um grupo de facebook, que rendeu ótimas discussões e
muita coisa a se pensar. Vou levantar a temática aqui também, por
ser extremamente relevante.
A pergunta é:
Você já sofreu ou
presenciou preconceito no meio RPGístico? E indo mais a fundo, numa
reflexão mais pessoal, você já teve preconceito relacionado a esse
meio?
Preconceito assume
muitas formas. Desde as mais explícitas, referentes a sexo,
aparência, orientação sexual, etnia, poder aquisitivo,
escolaridade, preferências e passatempos, etc., preconceitos que são
disseminados na sociedade como um todo, até aqueles mais específicos
para o jogo de RPG.
Há os preconceitos
quanto a ser novato e em contrapartida há o preconceito contra quem
manja mais do assunto que você (como se aquela pessoa que leu e
jogou bastante vá invariavelmente diminuir e ridicularizar os
novatos). Há os preconceitos contra um jogo no qual você não leu o
livro e não foi com a cara das resenhas (muitas delas
preconceituosas, na maioria das vezes), e há o preconceito contra as
pessoas que já leram, já jogaram e simplesmente não curtiram o
assunto. Há o preconceito de alguns defensores de um sistema ou
cenário ao diminuir e ridicularizar as pessoas que não gostam desse
jogo, usando os argumentos de que “tal jogo não presta”. E mesmo
dentro de um jogo, há os preconceitos quanto a preferências de
“tipo” ou estilo de personagem.
É muito comum o
preconceito assumir uma das facetas de embasamento ou não em teorias
e conhecimentos prévios e experiências do outro. Por exemplo, há
aqueles que se embasam na teoria GNS para agir de forma
preconceituosa quanto a jogos e jogadores que não tem o perfil que
ele prefere dentro dessa teoria. Por outro lado, há os que se
baseiam em argumentos de que aqueles que “se baseiam em teorias”
estão usando as mesmas para os diminuírem e ridicularizarem. Quem
não estudou um assunto acha que tem razão, e que aquele que estudou
está vomitando teorias para se colocar num papel de superioridade,
quando muitas vezes a pessoa só está embasando seus argumentos.
E infelizmente, há
sim, e muito, o preconceito baseado em sentimentos de inferioridade e
mania de perseguição, que muitas vezes a pessoa nem se dá conta
que tem. Como se duas pessoas não pudessem conviver tendo opiniões
divergentes sobre um assunto. Estou tocando nesse assunto porque em
um período longo demais da minha vida eu fui assim. A pessoa olhava
meio torto pra mim e eu achava que ela estava me pesando em uma
balança desbalanceada e preconceituosa, quando na verdade o vento
tinha feito cair um cisco no olho da pessoa.
E eu só superei isso
com anos e anos de terapia. O passo mais difícil foi aceitar que eu
estava enxergando um panorama que não estava lá. Minha psicóloga
dizia que isso é muito comum em pessoas inteligentes. É parte do
preconceito inerente de que aquele que não tem o raciocínio tão
afiado quanto o seu vai invariavelmente entender tudo errado e
distorcer tudo. E o RPG é cheio de pessoas inteligentes, cada uma
delas criando teorias o tempo todo. É aí que entra a empatia. É
necessário olhar para dentro de cada um de nós e encarar os nossos
preconceitos. Parar de generalizar, parar de ver o outro como um
agressor em potencial.
Nossa herança
evolutiva nos leva a reagir a uma agressão com outra agressão.
Supor que o outro está sendo agressivo como premissa acaba fazendo
com que nós sejamos o primeiro a agredir. É aí que começa a
maioria dos problemas em qualquer tipo de relação social, incluindo
o RPG.
Eu, Graci, acredito que
a nossa herança evolutiva é a fonte dos preconceitos. A humanidade
evoluiu com base em instintos e escolhas, em selecionar parceiros com
características “mais aptas” para gerar uma boa prole. Em se
cercar de uma comunidade que ia lhe trazer vantagens. Descartar o
diferente antes que ele tenha chance de te causar problemas é um
preconceito intrínseco não apenas em nossa espécie, mas em outros
animais. Dessa forma, eu acho que ter sentimentos iniciais de
preconceito não diminui a índole de ninguém. Mas estamos em um
mundo tão mudado pela presença humana, que esse sentimento primal
de preconceito é um traço que não tem mais utilidade. É como o
apêndice do intestino que só serve para inflamar, ou como o osso
cóccix que está lá para nos lembrar que viemos de antepassados que
tinham originalmente uma cauda. O preconceito, como manifestação do
instinto de defesa e autopreservação, é um traço evolutivo que
devemos compreender, para evitar que sejamos machucados por ele ou
que ele machuque os outros.
Os grandes desafios
para mudar não apenas o panorama do RPG, mas também todo tipo de
relação social, no meu entendimento, são dois:
- não deixar que suas
ações sejam guiadas pelos preconceitos;
- não acusar o outro
de estar sendo preconceituoso como ação defensiva, antes de avaliar
se ele está sendo ou não.
É claro, pessoas que
escolheram uma postura preconceituosa para a sua vida existem e estão
em toda parte. Mas não é por isso que devemos partir da premissa de
que toda divergência de opiniões é fruto do preconceito. Eu
acredito ser esse o primeiro passo para se diminuir o preconceito no
RPG.
Acho que me estendi
demais. A proposta desse post é expor as minhas opiniões expostas
acima, e também levar a uma reflexão e diferenciação dos reais
preconceitos que sofremos, das vezes que fomos erroneamente
interpretados como preconceituosos, e das vezes que assumimos que o
outro estava sendo preconceituoso com base nos nossos próprios
preconceitos. E com isso, quem sabe, construir um panorama melhor
para o RPG e nossas mesas.
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