quarta-feira, 10 de janeiro de 2018

Olhar para os seus jogadores - uma forma simples de narrar melhor

Olá, pessoal

Hoje eu resolvi escrever sobre um tema que é recorrente. Não vou falar sobre técnicas narrativas, sobre como preparar a mesa, sobre criação de crônicas, nem nada disso. Vou falar sobre como, de forma muito simples, a qualidade das mesas melhora quando o mestre / narrador desloca o foco do jogo do enredo previamente criado (ou cenário, ou sistema) para os jogadores.

Sabe, os melhores manuais de jogo de RPG que eu já li deixam isso bem claro na parte dedicada ao mestre: o personagem de jogador é o protagonista da história. Isso significa que ele tem o poder de mudar as coisas, de acordo com o que faz. E mesmo aventuras e crônicas prontas são apenas uma ajuda para o mestre / narrador, não são um conjunto de leis a serem seguidas.





Então, o primeiro conselho é não se prender ao seu plot. Você definiu um enredo, objetivos para a crônica e coisas que deveriam acontecer. Mas as ações dos personagens de jogador, os objetivos deles, a forma como eles interagem com o cenário, tornou esse plot inviável (mas não menos interessante se você souber lidar com as mudanças). Não se apegue aos seus planos nem ao manual com aquela premiadíssima crônica pronta! Deixe o jogo correr. As mesas mais divertidas que eu já narrei, aquelas com mais interação dos jogadores, foram justamente as que eu perdi totalmente o controle sobre o enredo e o futuro da história.

Só que para se sentir protagonista, não é só isso que é necessário. Há alguns outros aspectos que devem ser respeitados e condições que o mestre / narrador deve criar, dentro e fora do jogo.

Um desses aspectos é o do equilíbrio de poder entre personagens de jogador. Tem jogador que não liga se o personagem dele tiver uma ficha mais fraca que outro jogador. Mas isso incomoda a maioria das pessoas com quem eu já conversei. Dá aquela sensação de que seu personagem não pode nada, é um coadjuvante, está de mãos amarradas. Mesmo que de forma inconsciente, isso pode gerar frustração. Então, como a gente não sabe se isso vai incomodar ou não, o melhor é sempre partir de fichas de personagem equilibradas em nível de poder. A não ser que você tenha conversado com seus jogadores antes e conheça eles MUITO bem, a ponto de saber que nenhum deles vai se incomodar com isso, nem a médio e longo prazo.

Outro ponto importante é dar espaço para os personagens de jogador. Eles só vão brilhar se puderem ser eles mesmos, ter sua individualidade, seus segredos, seus planos, seus objetivos pessoais. É claro que essas características e objetivos devem estar de acordo com os objetivos pretendidos com o jogo, mas isso deve ser acertado entre jogador e mestre/narrador antes do jogo começar. Uma vez que o mestre aceite certas coisas, o personagem precisa ter liberdade para interpretá-las sem interferências impostas pelo narrador. A presença de NPCs (personagens do mestre) onipresentes, oniscientes e/ou onipotentes tira essa liberdade. Por que um personagem vai se dar ao trabalho de tentar fazer alguma coisa se sabe que será frustrado pelo NPC? E por que você, como mestre, manteria um NPC desses se o protagonista da história é o personagem de jogador e não o NPC? Desafios são importantes, mas coloque limites nos seus personagens de mestre, que os personagens de jogador sejam capazes de superar. E nunca, jamais, em hipótese alguma faça os NPCs saberem de antemão tudo o que rola na mente dos personagens e preverem tudo o que eles pretendem fazer. Isso arranca o protagonismo das mãos deles e joga na mão do NPC.

Os jogadores precisam se sentir confortáveis enquanto estão jogando. Seus personagens podem estar passando pelas piores dificuldades e provações no jogo, mas quem os controla deve estar bem e se divertindo. Aprenda a olhar para os seus jogadores. Pergunte se estão gostando do rumo da coisa. Se eles não estiverem, MUDE. Por favor, mude. Não espere seu jogador largar o jogo por frustração.

Mantenha sempre um ambiente sadio e seguro para o seu jogo. Por mais tenso e maduro que seja o cenário, não use gatilhos que possam ferir ou abalar psicologicamente o jogador que interpreta esse personagem ou outros jogadores presentes. Não permita que jogadores sejam ofendidos, discriminados ou sejam colocados de escanteio por outro jogador e não consigam fazer nada com seus personagens. Você é responsável, como mestre, pela diversão de todos (inclusive a sua).

Não mantenha um jogo por obrigação. Se você não estiver se divertindo, não conseguirá divertir os jogadores. Saber quando parar ou dar uma pausa já salvou muitos grupos de jogo e amizades.




Respeite e cobre respeito. Pratique empatia. Olhe mais para os jogadores do que para o escudo, suas anotações ou o livro de regras. Ao final da sessão, certifique-se que todos ficaram satisfeitos com o jogo que acabaram de jogar. Seu enredo pode não ser elaborado, seu controle das regras pode não ser tão bom, seus conhecimentos sobre o cenário podem não ser os melhores, você pode se sentir inexperiente, mas eu garanto que seu jogo foi melhor, mais intenso, imersivo e divertido, do que o narrado por alguém que domina tudo isso, mestra/narra a trocentos anos, mas não liga para os jogadores.


Até a próxima.


2 comentários:

  1. O lance de você se divertir mestrando é importante, como você falou.

    Certa vez, mestrei um one-shot onde os jogadores puderam se malignos. Virou um GTA medieval. Eu me senti mal com aquilo, não tava ali pra narrar e estimular atrocidades para catarse dos meus jogadores. Não é meu lance.

    Falei com eles: "nunca mais" :-)

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  2. Muito interessante e enriquecedor.
    Irei usar mais disso para as próximas sessões da mesa.
    Abraço e continue assim.

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