O primeiro ponto que me chamou a atenção foi a postura do rapaz. Ele quis demonstrar conhecimentos sobre o RPG. Não os conhecimentos práticos, mas tentou dar uma aula sobre origem do RPG e especificamente começou a misturar um monte de nomes de acadêmicos e suas teorias, pessoas que eu não faço ideia de quem são e teorias que dificilmente teriam sido criadas ou se aplicavam aos jogos colaborativos.
Mais do que isso, essa parte do texto do rapaz foi claramente uma tentativa de se impor por superioridade, diminuindo a experiência das mulheres que ministraram a palestra porque elas não usaram termos acadêmicos.
Seguindo o raciocínio, ora ele parecia concordar com elas sobre os contratos sociais quando se joga RPG, ora ele negava a relevância desses contratos ou parecia dizer que eram forçados. A mim isso soou como "eu quero arrotar, coçar o saco e fazer piadas sexistas enquanto jogo com meus camaradas sem que nenhuma fêmea venha me dizer para fechar as pernas porque ela precisa sentar no acento ao lado no transporte coletivo. Ora, minhas bolas precisam respirar e você vai ter de engolir o fato de que eu ocupo esse espaço aqui e não vou dar lugar para você". Embora, que fique claro, o rapaz não tenha dito isso em momento algum. Essa foi uma impressão minha, ao ler o tom do texto dele.
Em vários momentos ele colocou num pedestal a necessidade do academicismo, usando palavras difíceis, linguajar elitista, a necessidade de se estudar sabe-se lá o quê (novamente, eu não faço nem ideia dos autores e teorias que ele citou) para chegar no nível de sapiência sobre o assunto que ele tinha.
O RPG é um jogo. É um passatempo. Os contratos sociais que tornam uma mesa segura são baseados em empatia, respeito e camaradagem. São contratos que lidam com conceitos de superação de diferenças e quebra de preconceitos. Por que qualquer pessoa precisaria estudar um autor estrangeiro e suas teorias para entender algo tão simples, algo que uma criança pequena compreende de forma intuitiva?
E isso nos leva a outro ponto: quem vai numa palestra ou lê um texto cujo tema é segurança no RPG, é atraído pelo genuíno interesse no assunto, porque quer saber mais sobre. Se eu começar a falar sobre a teoria blá de fulano ou sobre a forma como ciclano interpreta relações sociais num contexto x, vou deixar o assunto maçante e incompreensível. Para que complicar aquilo que deveria ser simples?
Façamos um paralelo com a divulgação científica: cientistas possuem um linguajar próprio de suas pesquisas, mas na hora de explicá-las para o público, eles tem de buscar uma linguagem e exemplos que são familiares ao público. Começar a vomitar termos acadêmicos e teorias afasta o público ao invés de atrair, confunde ao invés de explicar. Tem um resultado inverso àquele que queremos ter.
RPG é um jogo colaborativo dependente da comunicação, que não discrimina por classe social ou escolaridade (ou qualquer outra classificação). Desde que você saiba ler e se comunicar, pode jogar e mestrar RPG, Nesse contexto, expor e querer exigir academicismos é discriminar públicos.
Cada vez que eu vejo um dos "grandes teóricos do RPG" expondo sua sapiência, me pergunto se essa pessoa realmente entende por que as pessoas jogam RPG.
Então, o que eu quero dizer aqui é: não seja um babaca. Se você quer se comunicar com o público para expor as suas ideias, seja claro nas suas ideias sem citar terceiros. Você pode ter estudado muito e percebido que uma teoria se aplica ao RPG, mas esse conhecimento só será útil para os outros se você TRADUZIR isso para termos comuns ao público alvo RPGista. Deixe a academia na academia, e só assim vai conseguir realizar aquele contrato social essencial a um bom jogo de RPG, baseado em empatia, respeito e igualdade.