Foi-se o tempo das
discussões intermináveis sobre a diferença semântica e de
significado prático entre os termos “Mestre”, “Narrador”,
“Guardião”, “GM” e tantos outros. É tempo de refletir sobre
a ingrata tarefa de ser o mediador entre os jogadores e todo o resto
do mundo de jogo, incluindo, principalmente a história a ser
contada.
Eu já ouvi muita
coisa, tanto estando no papel de narradora quanto no de jogadora.
Alguns
Vou começar a citar
algumas frases, exagerando propositalmente ao ponto de beirar o
ridículo, e fazer meu comentário sobre elas. :
Jogador
mimimi: “Eu quero criar um personagem desse jeito e você
não deixa. Eu sou um pobre injustiçado e você é uma mestra
egoísta que não deixa eu me divertir”
Narrador
de saco cheio: “Claro meu filho, eu sou um monstro. Eu elaborei
essa crônica. Eu passei horas pesquisando, lendo, pensando numa
história legal onde eu e vocês jogadores poderíamos nos divertir
juntos. E você vem aqui, sabendo de antemão do que o jogo se
tratava, porque eu avisei, e quer fazer um personagem que não se
encaixa? Pior ainda, um personagem que tem todo o potencial do mundo
de ser divertido apenas para você, em detrimento da diversão dos
outros? Você já leu a minha mente? Não, né? Você não sabe que
eu sei que um personagem assim vai me dar dor de cabeça, vai tirar o
meu prazer de jogar, vai tirar dos outros o prazer de jogar.
Portanto, encolha-se na sua insignificância, deixe de ser um
filhinho de papai mimado, e faça um personagem para jogar conosco e
não sozinho.”
O
que podemos extrair daqui? É claro que é uma situação chata que
todo mundo que narra já teve de passar. Em casos extremos, isso até
abala amizades. Mas é justo deixar que um jogador se divirta
sozinho? É óbvio que não. Não tenha medo de dizer não. A minha
primeira conclusão nesse artigo é:
Narrar
para quem? Para o narrador e a maioria dos jogadores, proporcionando
diversão para todos, incluindo a si mesmo.
Jogador
mimimi: “Você está sendo injusto. Eu recebi aquela punição
dada pelo NPC por implicância sua e agora isso está prejudicando o
meu personagem. Você não tem o direito de fazer isso”
Narrador
de saco cheio: “Você leu o plot? Leu a minha mente? Sabe o que
os outros personagens estão fazendo quando rolamos aquelas partes em
separado? Você leu os prelúdios deles? Quem é você para dizer que
eu estou fazendo injustiça e protegendo alguns jogadores e
prejudicando os outros?”
Isso
acontece muito e chateia demais. Um jogador que não tenha em mente a
ideia de que em RPG toda ação causa uma reação acaba por
prejudicar o divertimento de todos. Se isso acontece uma vez, o
melhor é conversar. Mas caso isso se torne uma constância, esse
jogador é problema. Será que não tem um jeito de se livrar dele
sem abalar a amizade? Sempre tem, se ele for maduro o suficiente.
Segunda conclusão:
Narrar
para quem? Para aqueles que contribuem para o jogo, em on e em off.
Jogador
mimimi: “Eu quero usar a regra
que eu vi no site de fulano ou do livro XYZ. É material oficial e
você não tem o direito de me dizer não.”
Narrador
de saco cheio: “Eu já disse que não, todo material tem de ser
aprovado por mim.”
É
outro probleminha que torra a paciência e só atrapalha. Isso vem
junto com advogados de regras, no geral, pessoas que param aquela
bela cena onde você está deixando um pouco das regras de lado em
prol do que está acontecendo em jogo só para dizer que você tá
rolando errado. Dá vontade de matar um desses. Terceira conclusão:
Narrar
para quem? Para aqueles que respeitam as pessoas e a história que
está sendo contada.
Mas
e aí, Graci? O que eu faço se todos os meus jogadores forem assim?
Eu vou perder amizades, vou perder jogadores, todos vão ficar
chateados. Minha resposta é: tá bom do jeito que está? Não te
chateia ter de abaixar a cabeça e deixar que jogadores que só
pensam no seu próprio umbigo e estão pouco se lixando para os
outros jogadores, para o seu trabalho como narrador e principalmente,
para a história que está sendo contada, continuem te obrigando a
fazer o que você não está a fim e usam como arma chantagem
emocional?
Punir
é muito chato. Mas você já parou para conversar com eles? Uma
conversa franca que poucos tem coragem de fazer, mas vai causar muito
bem a todos os membros da mesa de jogo.
Já
parou pra dizer pra eles que tipo de jogo você prefere narrar e
perguntar que tipo de jogo eles querem jogar? Você pensa nos
jogadores que tem na hora de elaborar o jogo? Planeja de antemão a
criação de situações para envolver todos os gostos? Você sabe o
que os seus jogadores querem jogar? Abra o jogo com eles, ao saberem
o que você sente e pensa, muitos dos problemas serão evitados antes
mesmo de acontecerem.
Mas
e se não der certo? Será que o jogador mimimi tem mesmo o direito
de estragar a diversão dos outros? Claro que não. Não tenha pena
de não convidar para a próxima sessão os jogadores problema.
Narrar
para que? Para proporcionar horas de diversão a todos aqueles que
foram convidados para o jogo.
Não
adianta tentar fugir da responsabilidade: Todo narrador (seja qual
for o nome que o sistema usado dá para a pessoa que ocupa esse
papel) é um mestre de cerimônias encarregado de divertir as pessoas
que ele convidou para o jogo, e ao mesmo tempo, tem a obrigação de
divertir-se. Se ele não se diverte, a mesa está fadada ao fracasso.
Se ele não resolver os problemas que aparecerem durante o jogo, ele
estará fugindo do seu papel como mestre.
Narrar
para quem e para que? Note que todas as conclusões a que eu cheguei
nesse artigo são complementares e muito parecidas. Narre para se
divertir, para divertir aos demais, e jamais permita que a diversão
seja abalada por alguém que não merece o seu trabalho. Você não
está narrando para mostrar o quanto você conhece o sistema e o
cenário, nem para provar nada para ninguém. Se você faz isso, é
melhor repensar seus conceitos. Você está narrando pelo prazer que
isso traz, e você tem a obrigação de garantir que isso aconteça.
Artigo originalmente publicado em: http://www.falerpg.com.br/index.php/component/content/article/15-dicas/10-narrar-ou-mestrar-para-quem-e-para-que
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