sábado, 16 de fevereiro de 2013

Mas o que afinal é essa tal "Regra de Ouro"?

Estava eu de bobeira pelo Facebook, quando me deparei com o compartilhamento do excelente texto da Livia Yorke intitulado "Ouro de Tolo", no qual ela expressa as suas opiniões sobre o assunto.

Lembro das nossas discussões sobre o tema nos tempos de Orkut, mais especificamente sobre o RPG "Vampiro a Máscara". Assim como ela, vou começar citando o trecho do livro que fala sobre Regra de Ouro, seguido das minhas opiniões sobre o que ele significa nesse jogo. Por final, irei extrapolar para outros jogos.

"Esta é a regra mais importante de todas, e a única que vale a pena seguir: Não existem regras. Este jogo deve ser tudo aquilo que você quer que ele seja (...) Se as regras neste livro interferirem com o seu prazer de jogar, mude-as."
(Vampiro A Máscara Revisado)


Vamos analisar o que está escrito aí, de uma forma pura e desprovida de desejos. O trecho acima foi retirado do capítulo do livro que fala das regras. Do sistema, da rolagem de dados, da mecânica de jogo. Não tem nada parecido com isso quando o livro fala do cenário.



Pirita, ouro de tolo, em homenagem ao artigo que serviu de inspiração a este.

Muita gente confunde sistema e cenário, por isso vou abrir um parênteses agora, para explicar o que são essas coisas:

- Sistema: conjunto de regras. Num jogo onde se usa dados, o sistema é a forma como a ficha de personagem é traduzida em rolagens. Ele define o que rolar, quando rolar, quais as dificuldades, etc. O Sistema pode ter sido feito para o Cenário e funcionar bem apenas nele, pode ser um sistema que funciona bem para diversos Cenários, ou pode ser um Sistema Genérico, desenhado para funcionar bem e com poucas adaptações em praticamente qualquer cenário que você inventar. O Sistema do jogo Vampiro a Máscara, bem como dos demais jogos do Antigo Mundo das Trevas é o Storyteller. Note que nesse caso, estamos falando do Storyteller 3ª Edição, que não é compatível com as edições anteriores. Então, para você ter um jogo funcionando bem nesse Sistema, evite misturar livros das outras edições (ou use a Regra de Ouro para adaptar O SISTEMA descrito nos livros das edições diferentes, para que funcionem bem na edição que você escolheu para rolar o seu jogo. Acabei me adiantando e dando um spoiler aqui do que seria na verdade a tal de "Regra de Ouro", mas vamos seguir em frente.

- Cenário: a ambientação. Em Vampiro a Máscara Revisado, o Cenário fala de vampiros, descendentes de Caim, amaldiçoados, com fraquezas, defeitos e poderes bem específicos. Eles vivem escondidos da sociedade, possuem Clãs, Seitas, e muitos acreditam que a Gehenna, o fim do mundo, está próximo. Existem sinais dizendo que isso é verdade, e a sociedade vampírica está à mercê das maquinações dos Vampiros Antigos. Algumas coisas aconteceram entre a 2ª e a 3ª edição de Vampiro a Máscara, que causaram grandes alterações no cenário: clãs e linhagens sendo dizimados, alterações de Disciplinas, alterações nas maldições e fraquezas, o aparecimento de uma estranha estrela vermelha. Por isso é muito muito importante você escolher a edição que vai usar, e selecionar apenas os livros daquela edição. Ou então, você pode até aproveitar materiais de livros de edições distintas, desde que os mesmos não causem discrepâncias no cenário (e usando as dicas acima para adaptar as regras, se for possível usar esse material sem causar um problema de coerência no seu Cenário).


Agora voltando à nossa Regra de Ouro:  sabendo separar bem o Sistema do Cenário, logo percebemos que a Regra de Ouro diz respeito ao Sistema. Deixemos o Cenário em paz. A Regra de Ouro, grosso modo, diz que para jogar "Vampiro a Máscara", você pode mudar as regras para rolagem de Disciplinas, para alimentação, para o Frenesi, para o combate, etc., se as regras do livro estiverem te incomodando. Eu mesma, quando narro Vampiro a Máscara, uso uma série de regras que foram apresentadas no livro Dark Ages Vampire (edição revisada de Vampiro: A Idade das Trevas). Se houver interesse, posso depois escrever um artigo listando as regras adaptadas que eu uso. A Regra de Ouro diz que você pode fazer alterações no Sistema Storyteller.

Mas o importante é que a Regra de Ouro não fala que você tem liberdade para mudar o Cenário. Vampiro a Máscara, o que o define como jogo, é o Cenário (seja lá qual edição você tenha escolhido para jogar). Clãs, Disciplinas (o que elas fazem e não como é a rolagem), seitas, fraquezas, poderes, características, ambientação, clima de jogo, tudo isso define o jogo! Se você mudar isso, estará jogando outro jogo.

É legítimo dizer: "Meu jogo é inspirado em Vampiro a Máscara, mas eu fiz algumas alterações no Cenário, por isso não é mais Vampiro a Máscara."

Não é legítimo dizer: "A Regra de Ouro me diz que eu posso alterar essa p$%¨¨, por isso meus Vampiros não temem luz do sol e não sofrem Frenesi, mas meu jogo ainda é Vampiro a Máscara".


A conclusão a que eu quero chegar é: a Regra de Ouro não é uma desculpa válida para você estuprar o Cenário. Seja qual jogo você for narrar, quando você diz "Vou mestrar Shadowrun", os jogadores esperam a ambientação descrita no livro, a despeito das alterações que você fizer nas regras.

Quando você diz "Vou mestrar Cthulhu", não precisa nem dizer se é Rastro de Cthulhu ou Call of Cthulhu, os jogadores esperam ficar loucos ou perto disso enfrentando horrores que a mente deles não consegue lidar. Se você quer fazer um jogo de ação onde os heróis enfrentam os horrores do Mythos nas décadas de 20 ou 30, não seria melhor usar as regras de Espírito do Século? Perceba que nesse caso, você não estará nem narrando Espírito do Século (se abrir mão do Clube do Século), estará narrando uma aventura Pulp com o tema Cthulhu usando o Sistema Fate.

Algum problema com isso? Nenhum! Você é livre para criar o seu jogo da forma como for melhor para você e para os seus jogadores.

Errado é fazer propaganda enganosa, dizer que vai narrar uma coisa quando as alterações feitas no cenário descaracterizam o mesmo. Errado é culpar a Regra de Ouro e bradar aos quatro ventos que a mesma lhe permite dizer que seu Vampiro foi diablerizando até chegar na Terceira Geração (quando tem um exemplo no Cenário que mostra que isso é impossível, vide Tremere e Saulot). Errado é criar expectativa nos jogadores, declarando que vai narrar um jogo, e depois, só depois, apresentar a eles um jogo completamente diferente, que eles podem ou não gostar.

Não narrarás gato por lebre!






2 comentários:

  1. Regra de Ouro é para acabar com a discussão e evitar aqueles furos no sistema. Pode-se chamar de bom-senso também.

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