Todas as coisas vivas inevitavelmente morrem. Isso inclui personagens
de RPG, que vêm à vida através de grande esforço e dedicação de
jogadores e narradores, quase sempre destinados a grande feitos,
vitórias épicas, situações complexas e envolventes até
que...morrem. Pode ser cumprindo um grande objetivo, numa luta épica
impossível de vencer ou através de uma falha miserável de dados na
situação mais vexatória possível. Mas um dia todos morrem. Por
que? Como encarar algo assim? Como o jogador pode se preparar para
esse momento? Como o mestre pode conduzir uma morte devidamente
impactante?
Primeiro, não, não adianta argumentar que seu personagem é o
Predestinado, The Only One ou Messias Salvador da Pátria. Ele tem
que morrer. Uma parte inevitável da vida de personagens heróicos
envolve correr riscos cada vez maiores, e é impossível escapar
deles para sempre; uma hora ou outra, você vai encontrar mais do que
pode peitar. Ir contra essa tendência tornaria seu personagem
invencível e chato, e logo não despertaria mais nenhum interesse em
jogar com ele.
Como saber se é hora de mandar seu personagem pra terra dos
pés-juntos? Em geral, essa decisão cabe ao narrador, mas os
jogadores podem conversar com seu mestre sobre isso. Se o personagem
alcançous poderes épicos, atingiu grandes objetivos, está com a
vida mansa e plenamente satisfeito, então já deu, hora de ir pro
limbo. Prolongar as aventuras dele seria possível, mas não tão
divertido.
E como morrer?
Pense na morte de grandes heróis da literatura. Sherlock Holmes
morre em combate contra seu arquiinimigo, o Dr. Moriarty. Hercule
Poirot morre ao cometer um assassinato para capturar seu derradeiro
assassino. Arthur de Camelot morre em duelo com seu nêmese, Mordred.
Superman morre defendendo sua cidade de uma ameaça imbatível
(certo, depois ressuscitaram ele, mas a morte foi marcante). Todas
essas mortes impactaram fortemente o cenário, muitas vezes
encerrando de vez as tramas. Essa é uma morte com significado. Se
seu personagem morre assim, você deveria ficar orgulhoso dele. A
dica para os mestres é tentar, na medida do possível, matar os pjs
dessa forma.
Mortes banais também podem ocorrer. Aquele bárbaro de 10°nível
ainda pode ser morto por um ataque decisivo de um kobold, aquele
vampiro ancião ainda pode cair diante de um neófito esperto.
Ninguém é invencível, ou pelo menos não deveria ser. Mortes assim
tendem a surpreender e até frustrar os jogadores, mas mestres
rigorosos podem usá-las para confrontar os personagens com sua
própria mortalidade, ensinando uma lição a jogadores temerários
que se acham invulneráveis.
Mas a morte não precisa ser dos pjs.
O narrador pode matar pdms também, e alguns tem verdadeira compulsão
em fazê-lo. Animais familiares, companheiros da natureza, mascotes,
aliados, familiares, namoradas, todos esses são alvos. Nas HQs e em
alguns animes, os heróis mantêm suas identidades reais secretas
para preservar seus entes queridos de serem atacados por algum
inimigo astuto, mas no RPG poucos jogadores tendem a fazer o mesmo.
Nesse caso, não podem reclamar quando o mestre lhes mostra a cruel
realidade do mundo quando seu famoso e superpoderoso mago encontra a
própria estripada e retalhada numa casa sem proteção nenhuma.
Mas no caso de mascotes e outros animais aliados, que são comprados
como vantagem, não seria covardia do mestre matá-los logo de cara?
Há exceções, mas em geral, a resposta é não. Seu animal é uma
vantagem importante, algo que outros personagens não têm, e é sua
obrigação cuidar dele. Como diria Eddard Stark, "Você o
treina, você o alimenta, e se ele morrer, você o enterra." Seu
aliado não é somente uma arma em combate, é alguém pleno de
necessidades, vontades e desejos, além de ter uma expectativa de
vida como qualquer coisa viva. Cachorros, gatos, lobos, até mesmo
dragões, nenhum deles vive para sempre. E se você os usa em combate
indiscriminadamente, eles viverão ainda menos.
Longe de pôr um fim à carreira do personagem do jogador, a morte de
pdms pode dar nova motivação para aventuras. Vingar a morte de uma
namorada, treinar outro mascote, descobrir o assassino de seus pais
ou ficar mais poderoso a fim de evitar novas tragédias, todas essas
são excelentes motivações para levar seu personagem a um novo
patamar de interpretação.
A morte de inimigos também não deve ser algo banal e sem
significado.
Se você passa dias, meses e talvez até anos perseguindo um inimigo,
como deveria agir quando finalmente o mata? Lamento, mas perguntar
"quanto de XP eu ganhei?" é a pior reação de todas.
Frieza ou descaso também são bastante inverossímeis. Após
finalmente vencer o duque de guerra que aterrotizava seu povo, seu
personagem pode ficar aliviado, exultante, exausto ou até mesmo
triste, mas nunca indiferente.
Essa foi uma reflexão breve e apenas introdutória a um importante
fato da vida que muitas vezes é subestimado nas mesas de RPG. Há
inúmeras situações a serem ponderadas, e ninguém melhor do que
você mesmo para julgar quais as reações apropriadas nas mortes que
ocorrerem em suas mesas de jogo. Mas pense nelas assim mesmo, não
ache apenas natural matar ou morrer. Valorize a vida de seu
personagem e também as dos pdms.
Parafraseando 007, viva e deixe morrer.
Artigo enviado por:
Alessandro Oliveira (Alexyus)
Moderador na Fale RPG
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