segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Prelúdio de Personagem Inesquecível (PPI) - 1 - Chione Mandisa

Chione Mandisa – “A doce filha do Nilo”

 

Devo ter enlouquecido de uma vez por todas. Depois de tantos anos tendo a mentira como proteção, para mim, meus interesses, e os de meu clã, resolvo ocupar minhas mãos e meu tempo ocioso com outra atividade: contar a minha história proibida.

 

Nasci na Itália em 1792, mas por pouco tempo vivi neste país. Por causa da invasão Napoleônica, meus pais foram morar em Londres em 1802. Não ficávamos muito tempo lá, pois sempre viajei junto com meus pais. Diziam que papai era louco, mas eu sempre soube: ele sabia... a verdade, que ele buscava em sua simplicidade, segurando pás e enxadas e cavando com força. Era esta a verdade que eu buscava para mim também, desde pequena. Era por isso, que mesmo quando mamãe ficava no alojamento, sofrendo com o calor dos desertos que papai tanto amava, eu enrolava uns panos sobre meus cabelos, como ele mesmo fazia, e enfrentava as areias junto com ele. Não que ele me deixasse escavar, eu era uma garotinha... mas eu me sentia como se escavasse também. Quando ele entrava em um novo sítio recém-aberto, não via a hora de estar junto com ele, de dividir os tesouros com ele. Essa era a nossa vida, a vida de Giovanni Belzonni, sua esposa Sara, e a criança nunca citada em suas biografias: Tatianna Belzonni.

 

Foi em 1817 que chegamos ao Egito, e papai conseguiu novas oportunidades por intermédio do Cônsul Britânico Henry Salt. Eu já tinha 25 anos, e fazia parte ativa da equipe de papai. Diferente dele que via tudo como uma aventura, eu olhava além. Papai levou os créditos pela abertura do Vale dos Reis, e a história jamais revelaria a verdade. Quase metade do que encontramos lá foi, como poderia dizer... desviado para o nosso acervo particular. Logo descobri um talento inato em retocar e reconstruir muitas das peças de arte que encontrávamos. Foi nessa época que comecei a usar o pseudônimo de Chione Mandisa, nome pelo qual eu viria a ser conhecida mais tarde. A questão é que éramos tudo menos santos, e ao mesmo tempo em que parte do que encontrávamos, nós vendíamos ilegalmente, me corroia o coração ver tais peças, de valor inestimável e uma longa história a ser estudada, caindo na mão daqueles ricaços exibicionistas e nojentos. Foi assim que resolvi criar “réplicas”, e vender como se fossem originais, e com a ajuda de papai, conseguimos guardar para a família aquelas que julgávamos mais impressionantes.

 

Ah, era muito fácil enganá-los, a todos eles... era muito fácil até que encontrei um homem interessado em adquirir umas peças que me eram muito queridas. Mas como o preço era bom, realizamos a negociação. Pedi a ele que me desse tempo para que eu fizesse umas réplicas para mim, e ele aceitou. E na noite combinada – as negociatas eram sempre feitas na proteção da noite – ele veio até a minha casa no Cairo, para levar as suas peças. Não resisti, e entreguei as réplicas. Eu o subestimei, pensei que fosse mais um idiota nadando em dinheiro, mas ele reconheceu imediatamente as falsificações.

 

E na minha frente, ele se transformou em algo meio humano, meio serpente. Sua voz sibilava enquanto ele me tocava com aquela pele escamosa e fria, e proferia insultos que iam muito além do fato de que eu era uma falsária, faziam alusão à minha sexualidade. Meu corpo não respondia às tentativas de me mover. Pela primeira vez em minha vida – e seria a última devido à minha condição posterior – senti medo. Mas lentamente os insultos começaram a se tornar elogios, e antes que eu percebesse, minha mente já estava totalmente tomada por desejos sensuais com relação àquela criatura. Ele me pediu que eu me despisse, coisa que fiz prontamente, e em seguida se despiu também. Foi quando eu percebi como aquele corpo reptiliano era lindo, talvez eu tivesse encontrado finalmente um dos deuses do Egito. Naquela noite, eu me entreguei a ele, e de certa forma meu sangue foi uma oferenda a um deus. E foi nesta noite de 1820, que as primeiras verdades sobre o Egito começaram a ser reveladas.

 

Acordei na noite seguinte no que parecia ser um templo. Eu estava deitada nua, sobre uma laje de pedra, talvez a lápide de uma tumba, mas não conseguia ter certeza. Logo reconheci pelos materiais, pelo estado de conservação e pela disposição diferente dos artefatos, que não se tratava de um dos templos perdidos, esquecidos, ou saqueados, mas tudo ali parecia autêntico, como se o Antigo Egito tivesse resistido às areias do tempo. Estava muito escuro, e eu podia ver pouca coisa, mas senti que me observavam. Até que aquele que em breve seria o meu senhor se aproximou, agora parecendo novamente humano. Sentei-me sobre a laje de pedra, ainda fraca por causa da noite anterior. Ele sussurrou ao meu ouvido:

 

- Aceita a morte como sua nova realidade, ou a morte como o final de sua existência?

 

Fechei os olhos, e me mantive em silêncio, enquanto em minha mente vinham fragmentos da luxúria da noite anterior. Acredito que meu corpo deu-lhe a resposta que ele queria. Logo senti sua língua comprida a percorrer meu corpo, primeiro o pescoço, depois os seios, a barriga. Ele me deitou e começou a lamber a minha virilha, até que eu senti uma fisgada, e então todo o resto era o prazer... Os sons foram se tornando abafados, a escuridão do templo, se acentuando. O frio e o formigamento foram tomando o meu corpo. E por fim, a dor da morte. Eu me afastava cada vez mais e mais, até que fui puxada de volta. O gosto de sangue em minha boca me fez despertar, e quando abri os olhos, estava agarrada ao pulso dele, bebendo de seu sangue como se minha existência dependesse disso.

 

Nos anos seguintes permaneci neste templo, sendo educada e preparada para exercer minhas responsabilidades perante o clã. Logo, veio a decisão de que papai precisaria morrer. Assim, em 1823, ele foi acometido por uma doença fatal, enquanto trabalhava em escavações em Benin. Com sua morte, muitas das peças por nós encontradas (incluindo uma enorme quantidade de réplicas feitas por mim e peças originais de pouco valor para o clã) foram transferidas para o Museu Britânico. 

 

Era hora de eu seguir o “legado de papai”. Ironias à parte, meu conhecimento e habilidade em falsificação seriam úteis para detectar e resgatar indícios e pistas do retorno de Set. O único problema é que poucos confiam nos Setitas... Complicado de resolver? Não, nada é complicado para uma mente sórdida. Bastava conhecer as pessoas certas, ou melhor, os vampiros certos. E saber pagar da forma que eles querem. Logo já havia um Toreador estúpido achando que eu era a sua cria. Incrível dom esse, qualquer dia quero aprender. Ele realmente acredita que se apaixonou por uma mortal que acabara de ser contratada para a seção de Egiptologia do Museu Britânico como restauradora (no caso eu), e a abraçou num momento de fraqueza. Seduzir o retardado foi fácil, levá-lo ao meu “aliado” para que a mente dele fosse alterada também. Difícil foi me livrar de ambos mais tarde, precisei de alguns anos para forjar as mortes sem que sobrassem pistas. E hoje eu pertenço ao clã Toreador, não é lindo?

 

Mas você me perguntaria, meu leitor imaginário, que nunca lerá este relato: e quanto ao clã? A Toreador esteve afastada dos Setitas? E eu lhe respondo, nobre idiota: é claro que a Toreador se afastou da Setita, você queria que eu saísse do museu e fosse diretamente para o templo em Londres? Cautela é necessária para não ser descoberto, quando se está nesse ramo. Por todos esses anos eu freqüentei o templo sim, tenho me preparado arduamente para o sacerdócio.

 

Como mortal, atualmente sou a Professora do Museu Britânico Sabrina Wallis, especialista em arte antiga, especialmente egípcia, além de restauradora e escultora especializada na criação de réplicas perfeitas dessas obras, para universidades e museus de pequeno porte. Como Toreador, sou Tatianna Belzonni, filha do aventureiro e explorador Giovanni Batista Belzonni, e fui abraçada em 1823, em Londres, por um Toreador de pouco prestígio,  chamado Richard Willians, e galguei minha reputação dentro do clã a duras penas, demonstrando ser bem mais útil que o meu senhor. Como Seguidora de Set, Chione Mandisa. Apenas alguns poucos conhecem este nome, e menos ainda o relacionam com a Toreador Tatianna.

 

Há alguns meses recebi um comunicado do Cairo, dizendo que o contato com o Templo de São Paulo, Brasil, havia sido perdido completamente. O que aconteceu com eles, ninguém sabe. Mas se foram destruídos, é minha obrigação investigar, punir os responsáveis, e recuperar o Templo. Uma oportunidade única de ter o meu próprio Templo. Neste período foi arranjada uma transferência, para mim e minha carniçal, para o Museu de Arqueologia e Etnologia da USP. Eu venho como professora convidada, trazendo algumas peças originais do Museu Britânico como empréstimo, e réplicas criadas por mim como doação pessoal. Minha carniçal, Simone Wallace, vem com Bolsa de Estudos da Inglaterra, para completar o seu mestrado junto com a sua orientadora (euzinha).  Apenas sei que esta transferência foi arranjada por alguém de São Paulo, e teve o seu preço. Ele, que eu não faço idéia de quem seja, está com o meu coração, e quando a dívida for paga, ele o devolverá. O sinal para o reconhecimento da mesma é a imagem de um crocodilo mordendo a própria cauda.

 

 

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Usei essa personagem em um Live Action, por mais de um ano. O live terminava em Gehenna, e nesse período, ela passou de ilustre desconhecida a Mestre de Hárpias, foi descoberta como Setita e houve decreto de caçada de sangue. O fato coincidiu com a proximidade do fim do mundo, quando ela revelou que a Gehenna se aproximava, e disse para a Camarilla que apenas Set seria capaz de salvá-los da fome dos demais Antediluvianos. Converteu um bocado de Membros a se tornarem Setitas, e no final, conseguiu despertar Set. Não era um plot oficial, mas foi bem interessante. Com essa personagem, eu consegui cumprir o objetivo final de qualquer Setita. E mesmo tendo sido devorada por Set, para ela, isso foi como se unir a ele no seu reinado sombrio.

 

Gratificante.

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